Especial: Zulmir Breda fala sobre o papel do profissional da contabilidade na implementação das normas de sustentabilidade e os desafios desse processo

26 de abril de 2023

Por Comunicação CFC

A efetivação das Normas de Divulgação de Sustentabilidade tem suscitado inúmeros questionamentos sobre a implementação e os consequentes impactos nas atividades dos profissionais da contabilidade. Essa atmosfera de expectativa é alimentada, sobretudo, pelo fato de as normas intituladas Divulgação de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade (IFRS S1) e Divulgação Relacionada ao Clima (IFRS S2) ainda serem minutas em consolidação pela International Sustainability Standards Board (ISSB) da Fundação IFRS, após finalização do período de audiência pública ocorrido no ano passado.

Com a proximidade da edição desses primeiros normativos, cuja versões finais estão previstas para serem divulgadas em junho de 2023, as incertezas sobre o processo de implementação aumentam, mas um estudioso no assunto, o coordenador de operações do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS) e ex-presidente do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Zulmir Breda, lembra que essa não é a primeira vez que o ecossistema contábil nacional enfrenta um processo de recepção de normativos internacionais e vê, como ocorrido anteriormente, a atuação do profissional de contabilidade como fundamental no processo de adoção dessas normas.

Ao falar sobre o tema, Breda faz importantes colocações que possibilitam dirimir algumas dúvidas, principalmente no que tange à atuação do profissional da contabilidade frente à implementação das normas de divulgação de sustentabilidade.

Sobre o papel do profissional da contabilidade no processo, o coordenador de operações do CBPS afirma que esse será de grande valor na mitigação dos desafios. “A atuação do profissional da contabilidade será fundamental para incentivar as empresas na adoção das normas, especialmente àquelas que não fazem parte do mercado de valores mobiliários. A apresentação das normas de divulgação de sustentabilidade e sua introdução no ambiente empresarial dependerão de forte participação dos contadores.”, ressalta.

Zulmir afirma, ainda, que o peso da atuação profissional na consolidação da implementação das normas de sustentabilidade perpassará, sobretudo, pelo nível de conhecimento e de entendimento dos profissionais sobre o tema. Ele também lembra que a categoria já vivenciou outro importante processo de implementação de normas internacionais e que, mais uma vez, o preparo técnico foi o grande viabilizador de toda a ação.

“O profissional da contabilidade terá papel importante na consolidação dessas informações nos padrões das normas do ISSB, para incluí-las nos relatórios de gestão juntamente com as informações sobre as demonstrações contábeis. Portanto, para muitos profissionais, será necessário um processo de entendimento dessas normas para a sua correta aplicação, a exemplo do que ocorreu quando o Brasil passou a adotar o padrão do International Accounting Standards Board (Iasb) para as normas contábeis das empresas brasileiras”.

Zulmir Breda rememora ainda que esse tema não é algo tão desconhecido para os profissionais da contabilidade, pois já existem ações realizadas e divulgadas pelas empresas nesse sentido.  “Devemos lembrar que já possuímos uma norma sobre Relato Integrado, o Comunicado Técnico Geral (CTG) 09. Essa iniciativa do CFC veio ao encontro de uma necessidade do mercado brasileiro quanto à padronização de relatórios que atendam aos temas da agenda sobre Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG). Portanto, aqueles profissionais que adotam essa norma já estão habituados a lidar com informações não financeiras sobre sustentabilidade. Além disso, a própria Fundação IFRS ea International Federation of Accountants (Ifac) estão trabalhando em programas de treinamento para os usuários das normas a serem editadas pelo ISSB.”

Apesar de as normas de sustentabilidade englobarem informações de natureza não financeira, Zulmir não vê essa questão como um empecilho à atuação do profissional da contabilidade na elaboração das demonstrações financeiras. “É bem verdade que as informações que terão que ser divulgadas pelas empresas com base nas normas do ISSB poderão ser originadas de diversas áreas e setores da empresa. Essas informações podem não ser aquelas com as quais o profissional da contabilidade está habituado a lidar para obter as informações contábeis, além disso muitas informações serão não financeiras. Mas isso não será empecilho, pois estamos preparados para lidar com esses desafios”.

Ao adentrar a questão institucional, o coordenador de operações do CBPS fala sobre os desafios desse processo. Ele lembra que a implementação dessas normas está relacionada principalmente às empresas. “Essas normas serão direcionadas às empresas para fins de divulgação de suas ações em prol da sustentabilidade ESG. Portanto, são as empresas que precisarão se estruturar para preparar as informações necessárias para cumprir os requisitos dessas normas.”, afirma.

Mas é preciso dizer que não são apenas as empresas que devem divulgar as suas ações sustentáveis nas áreas de governança, ambiental e social, embora sejam elas o alvo principal das normas a serem editadas pelo ISSB. No Brasil, esse movimento ganhou projeção a partir de 2018, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) incorporou aos seus normativos a exigência de elaboração da prestação de contas no formato de Relatório Integrado, em conformidade com o padrão da International Integrated Reporting Council (IIRC ) e da Value Reporting Fundation. A iniciativa teve como finalidade transformar a forma como as organizações públicas prestam contas às partes interessadas, tendo a criação de valor como o cerne do relatório.

As pressões para que as empresas também incorporem a agenda de sustentabilidade ESG no seu planejamento estratégico, crescem a cada dia e no bojo desse movimento estão os consumidores, os governos, a sociedade de uma maneira geral e os investidores de modo especial, pois querem conhecer melhor o compromisso das empresas com a geração de valor de forma sustentável. Para Zulmir, o resultado disso já pode ser observado em muitas empresas brasileiras, especialmente naquelas listadas na Bolsa de Valores que já adotam algum tipo de informe sobre sustentabilidade, seja o padrão do Conselho de Padrões Contábeis de Sustentabilidade (Sasb), Iniciativa Global de Informação (GRI), ou mesmo do Relato Integrado, pois há forte demanda dos investidores neste sentido.

A própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de valores mobiliários no Brasil, já instituiu exigências sobre informações de sustentabilidade nos relatórios trimestrais, com base na Resolução CVM n.º 59, de 22 de dezembro de 2021, e o Banco Central do Brasil também caminha na mesma linha em relação às instituições financeiras.

Dentro desse arcabouço de ações, Zulmir Breda destaca o mais recente feito relevante, a criação do CBPS. “A criação do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade, uma iniciativa conjunta do CFC com outras entidades ligadas ao mercado de valores mobiliários, tem como propósito preparar o terreno para a recepção das normas do ISSB no Brasil, fazendo a tradução e a convergência dessas normas, facilitando o trabalho dos reguladores na sua implementação”.

Para Zulmir, o ponto crítico da implementação é a não obrigatoriedade das normas. “Creio que o principal desafio seja a adesão pelos órgãos reguladores brasileiros para tornar essas normas de caráter mandatório (…) Precisaremos da sensibilidade do Governo federal para facilitar o processo de implementação das normas pelos reguladores e, até mesmo, para promover campanhas de incentivo à adoção.” destaca. Mesmo com essa vulnerabilidade, Zulmir acredita na disposição do país, e principalmente do segmento empresarial, em atender ao apelo mundial referente à proteção do meio ambiente e da consequente garantia da sustentabilidade. “A sustentabilidade empresarial nos aspectos econômicos, sociais, ambientais e de governança é, sem sobra de dúvida, um compromisso inarredável de cada empresa e deverá estar inserido em seu planejamento estratégico, como única forma de assegurar a geração de valor e a perenidade dos negócios.”, finaliza.